Profecia Sapíenciais
Recusa da Profecia Popular
O texto de Dt 18,1s temos a negação das outras práticas de profecias, de tipo visionário ou consultivo. Rejeitam-se os adivinhos e oráculos... Eles não se enquadram no ciclo profético dos monarcas. Ora, todos os textos de Dt a 2Rs fazem parte da obra historiográfica deuteronomistas. De certa forma, imprime a rejeição de certas práticas que devem ser rejeitadas. A época dos textos é o Exílio. Os conceitos fundamentais são os da lei, da ordem... ligadas ao profeta que se enquadra se somente se estiver relacionado a Moisés, à lei. Então, a profecia de adivinhação, a necromancia, a consulta, a magia, os oráculos, as visões irão ser rejeitados. Porém, na época do Exílio sobraram exatamente as práticas excluídas da sociedade. O profeta da corte vai sofrer com o Exílio. Mas os pequenos profetas, de base, nas pequenas intermediações cotidianas, irão permanecer. O fato de o texto de Dt negar esse tipo de profecia é sinal de que existe essa prática no subterrâneo da história.
Ora, desde o VIII século que a profecia de visão vem sendo rejeitada. As profecias populares eram excluídas em vista de uma institucionalização, o estabelecimento de um padrão que procura ligar o rei ao profeta, sacerdote e profeta etc. A profecia oficial situa-se no controle do palácio, do sacerdote. Problema é que as profecias populares não se encaixam ali. O Dt usa a frase “quando entrares na terra”... protela para o futuro aquilo que está presente: as profecias populares em conflito com os profetas de Javé. No final do texto, em Dt 18, 21-23, temos os critérios para saber se a Palavra é ou não de Javé aquilo que o profeta anuncia: a coerência entre palavra e prática; aquele que carrega consigo o “espirito de Javé”. O problema dos versículos finais trata de em nome de quem o profeta fala. Trata-se de dois retalhos num mesmo texto: as palavras iniciais se contrapõem às finais. É um recurso literário. Note-se que o resto do povo, os excluídos, esses profetas populares (benzedeiras, visionários, mágicos, etc.) são quem carregam e dão vida à religiosidade no período pós-exílio. Fazem isso sem templo e sem palácio.
Vejamos 1Sm 10, 9-16
Os versículos anteriores, 1Sm 8-12 vemos o discurso para instituição da monarquia. Saul será ungido rei por Samuel. Gabaá é a cidade de Saul, a mesma do versículo 5 de 1S 10. O texto de 1Sm 10, 9-16 não apresenta a dimensão da profecia atrelada à monarquia. Para poder ter o reconhecimento dessa unção, Saul tem que entrar em transe. Aliás, ele devia encontrar, conforme recomenda Saul, um bando de profetas... não é só um...Saul, cumpre saber quem ele era, na verdade era capitão, ia julgar, foi para isso ungido. Deus lhe havia incumbido para que fosse um líder, roch (cabeça, chefe). Ocorre que não aparece o conceito de meleque (rei). E ele é, exatamente, ungindo rei e legitimado pelo bando de profetas que deve encontrar no caminho. Só que no quadro da tradição tribal Saul não é rei, mas chefe – reconhecido por grupos proféticos. Também em 1Sm 19,20 temos ali Samuel presidindo uma “comunidade de profetas”, de tipo transi... Não se trata de profecias de cidades; ela se situa fora dos comércios, da lógica explorativa. Em 2Rs 3,13s também temos um tipo de profecia ligada à música, às práticas populares. Por mais que os autores rejeitem as práticas populares, são obrigados a registrá-las porque fazem parte da memória popular.
O texto de 1Sm 10,1-8 encontramos Saul na categoria tribal como chefe, juiz que irá julgar o povo e protege-lo (v1). Esse é um conceito da história dos grandes juízes, como Débora, Jefté, Barac, Sanção etc. As categorias dos grandes juízes eram julgar e libertar (cf. Jz 2,6-3,6). Essa noção é de grupos de pessoas que não leem a monarquia, mas o sistema tribal.
Elias e Eliseu
A profecia popular tem dois expoentes na historiografia deuteronomista: as memórias ao redor de Elias e as que giram em torno de Eliseu. Elià é um homem de Deus. Em 1Rs 17,1s. Elias profetiza que Javé vive e que, conforme havia lhe dito, não haverá orvalho, nem chuva a menos que Javé deseje. Esse é o conteúdo do verso 1. Elias é Tesbita, habitante de Galaad, ou seja, um estrangeiro, não israelita. A profecia do Elias começa no verso 2 quando fala da Palavra de Javé, dizendo que não vai ter chuva. Economicamente, anuncia uma crise na produção, um tempo de ausência de tributo, de fome... é, no fundo, uma negação do tributo. Do ponto de vista religioso, faz-se uma crítica à baal, deus da chuva. Todos os deuses antigos estavam ligados á produção. Javé, baal... O problema é quando esses deuses são controlados pelo Estado e, indiretamente, se controla a chuva, a produção...
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Sival Soares, em 29 de abril de 2011