Fim da Profecia de Elias
Consequências da Profecia de Elias
Na profecia de Elias encontramos conflitos em torno do tributo, da fome, incluindo o processo migratório, de seca etc. Além disso, há o problema entre os profetas de Javé, que defendem uma profecia do povo, e os de Baal, representando o Rei. Encontramos também o tema da profecia que ordena o ciclo da natureza, envolvendo o sacrifício e a natureza nos episódios do rito dos círculos. Percebe-se um desmascaramento da religião de baal. Obviamente, os escritores bíblicos tematizam essa questão usando-se da ironia. Tudo isso se passa no itinerário. O profeta Elias está indo e vindo a todo tempo. De Tesbi (1Rs 17,1) até seu arrebatamento, no céu (2Rs 2). Teologicamente, o tema do caminho está ligado á teologia do Êxodo. Elias se assemelha a Moisés. A lembrança do êxodo está atrelada à figura de Moisés, com a saída, o caminho pelo deserto. Isso será retomado na história de Elias. Os 40 anos do deserto tornam-se os 40 dias de caminhada de Elias. Com sua profecia também tocamos no tema do alimento, aquilo que no Êxodo tínhamos como Maná. Note que Elias é até despertado por um anjo que acorda o profeta para alimentá-lo. Recorda, evidentemente, Deus vai alimentando o povo. Essa “alimentação”, a essa tradição do deserto-alimento, temos a evocação da lógica da partilha. Aqui está a grande mensagem: a lógica do não acúmulo.
Elias, o Êxodo e o Decálogo
Elias, notoriamente, experimenta isso com o episódio da viúva de sarepta. Essa mulher lascada partilhará com o profeta o nada que tem. Ao fazer a releitura do Êxodo, a profecia quer ajudar a refletir o que é a partilha, não do que está sobrando, mas do que se tem. Quem consegue partilhar o pão, está disposto a fazer a justiça social. O caso da viúva (1Rs 17) está em paralelo com o caso da vinha de Nabot (1Rs 21,1s). Neste último texto, a pergunta fundamental é: onde está a família do Nabot. Não se menciona sua mulher, seus filhos, trabalhadores. Isso indica que há camponeses que perdem sua herança. E o pior: sem família. Por trás do Nabot estão outros contingentes sociais. Herança é família, é clã. Os dois textos têm tamanha crítica social que abrem o livro dos reis e o fecham. Ora, se o episódio da viúva se liga ao Êxodo, o da vinha de Nabot está relacionado ao decálogo. São duas tradições: Nabot é um homem da tradição clânica. Não se vende nem se troca a terra. Ela é propriedade da família. Nas entrelinhas, esses grupos que produziram essas narrativas estão trabalhando com aquilo que é fundamental na tradição do povo de Deus: o Êxodo e o decálogo. Neste último caso, o principal mandamento é “não matarás”. Jeizabel, juntamente com o rei Acab, comete falta exatamente contra o mandamento do “não matar”, porque armam cilada pública, em forma religiosa, após ter roubado, e assassinaram Nabot. Outra falta contra os mandamentos diz respeito ao fato de Acab se fazer Deus. E não devemos esquecer o primeiro mandamento: “não terás outros deuses”. Some-se a isso o fato de eles terem mentido, emitido falso testemunho (mais um mandamento), jurado em vão o nome de Deus. No fundo, o monarca quebra os valores clânicos ao desonrar pai e mãe e a herança. Nabot, por outro lado, nega a desonrar seus pais. Jeizabel e Acab irão desonrar e fraudar.
Na sociedade, a partir desses textos proféticos, não havia partilha.
Epifania
Autocrítica profética
Tudo isso tem a ver com a manifestação do sagrado. Deus que se revela. No Êxodo Deus se manifesta por sinais (sarça, libertação, mandamentos etc.). Isso de maneira relativa. Profundamente, o sagrado é invisível. A sarça não é Deus. Aqui temos o problema da invisibilidade do transcendente. No fundo, a grande manifestação é que Deus é o Deus dos fracos: para os invisíveis da história, os hebreus e hebreias. O Deus da sarça é o da kol, da voz. Na nossa bíblia é traduzida com o conceito de brisa. Encontramos essa noção de brisa, murmúrio, vento suave, na teofania experimentada por Elias. Mas o profeta é desconcertado (cf. 1Rs 19,9s): esperava que Deus se manifestasse no furacão, no terremoto, no fogo... mas não na kol, na voz ou brisa leve. Uma voz de calmaria suave (Kol demaráh Takoli). Quando Elias ouve isso, cobre-se e vai para a entrada da gruta. A conexão do texto está no verso 9, quando Elias entra na gruta e segue-se a palavra: o que fazes aqui? Esta pergunta volta no verso 13; há uma conexão entre esses versos. Só que no final, Elias sai da gruta – quando se coloca em angústia por causa da infidelidade do povo de Israel. Por outro lado, o verso 10 está conectado com o 14. É o mesmo: a resposta de Elias eu me consumo de ardente zelo...Com essa resposta do profeta em torno do zelo, jamais vai escutar Deus. Dos versos 11 até o 12 aparece, nesse miolo, o modo como Deus se manifesta, sua revelação. Deus passa, como uma brisa leve, uma Kol demaráh Takoli, voz de calmaria. Enquanto o Elias não apagar sua prepotência, não encontrará Deus. Dai o apelo ao silêncio e, por consequência, à humildade, à voz calma. A resposta de Deus é: Vai. Elias tem de ungir Eliseu. Acabou o reinado de sua profecia.
O texto é bem montado: a dicotomia final revela a consciência dos grupos que escreveram e compilaram esses versos de que a profecia também pode se arruinar pelos interesses da monarquia. Elias de profeta de Javé, vira arrogante. Os grupos sociais fazem exatamente, nesse capítulo 19, uma autocrítica. Onde está Elias?
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Sival Soares, 29 de abril de 2011